sexta-feira, 29 de julho de 2011

Lutadores Selvagens, Espectadores Carnívoros


Sucumbe a poesia.
Desta vez, me dou por vencido, o tema draga o lirismo e soterra a forma.
Um final de tarde, solidão, e o vazio é preenchido por desoladora notícia - "campeonatos de vale tudo lideram audiência com índices avassaladores".
É notório, a televisão já abdicou de qualquer tentativa de apresentar algo minimamente decente. Os poucos, que ainda sentem sede, aplacam suas necessidades em raros e preciosos oásis, de sensibilidade, incrustados numa desértica imensidão, de brutalidades.
Essa incômoda realidade já não espanta ninguém que não tenha desistido do doloroso, e cada vez mais incomum, ato de pensar e vasculhar para além das aparências. O amargo pesar nos invade mais intensamente quando olhamos ao redor e percebemos a que nível de ignorância podemos chegar.
Reflito com mais cuidado e pondero uma possibilidade ainda mais humilhante. Talvez estejamos iludidos, reféns de uma auto-dissimulação. Acreditamo-nos cada vez mais evoluídos e refinados e, em verdade, ao longo dos séculos, rastejamos, selvagens, da mesma forma e no mesmo lugar.
Recebemos o raio divino que se chama razão, mas não conseguimos nos livrar dos nossos instintos mais primitivos. Construímos nossas modernas metrópoles, mas ainda vivemos a lei da selva.
A apatia das almas esteriliza o solo de onde deveríamos colher forças para lapidar, dia a dia, os nossos toscos automatismos, verdadeiras chagas que carregamos tão orgulhosamente. Vamos assim gangrenando cérebros com esta altivez, tão contagiosa e tão voraz quanto a lepra.
Escravos, de nós mesmos, continuamos emitindo rugidos desvairados aos gladiadores do presente, os mesmos do passado. Sorvemos o inebriante sangue derramado com um prazer que nos arrebata desta nossa triste condição, nossa mais pura miséria. A pobreza resultante de uma egocêntrica vida de medo, de dúvida, de apatia e do mais absoluto desconhecimento, do todo e de nós mesmos.
Experimentamos um despercebido autismo às avessas. Evoluímos nossa capacidade de envernizar e dar brilho ao nosso exterior, mas, por dentro, a podridão avança de forma desenfreada sobre nossas entranhas.
Intelectos cada vez mais desenvolvidos para o utilitarismo e, estagnadas, maturidades rudimentares de espíritos que ainda engatinham. Corpos tenazes, animados por almas letárgicas, e membros desenvolvidos, articulados em estruturas acéfalas.
E seguimos assim, satisfeitos, como hienas que, em bando e sorridentes, assistem à luta e o sangue derramado entre presas e predadores e, ao final, vão ao delírio, contentado-se e extasiado-se com os restos, roendo, ensandecidas, o que restou da carcaça do selvagem abatido.
   

Um comentário:

  1. A sexualidade mal encaminhada é a mãe de todos os condicionamentos!
    Apontar um universo de equívocos é tarefa simples para qualquer um que busque a lucidez.
    Tampouco está plenamente lúcido aquele que não percebe que o condicionamento nada mais é que o pólo contrário da, dita, própria lucidez.
    Apontar é pré-requisito. Difícil é mudar, mais difícil ainda é invadir o condicionamento alheio e mostrar o farol da libertação.
    Abraço a todos!

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