domingo, 29 de maio de 2011

Dialética Interior


Circunspecto, atento em demasia, crítico contumaz de mim mesmo,
vivo em incessante dialética interior.

Interminável vai e vêm, sensações e racionalizações,
fluir e refluir, cognições e intuições.

Não repouso, não me entrego, não aceito facilmente,
desvio dos fáceis caminhos, ignoro os sedutores chamados.

Não consigo sentir esta vida como um ciclo fechado,
com começo, meio e fim.

Difícil, doloroso, e muitas vezes dilacerante,
viver com os pés na terra e a cabeça no céu.

Meu olhar descola do aqui como uma pipa,
que, inadvertidamente, alça vôo e se faz rebelde em ser comandada.

Carrego as minhas certezas,
todo tangível é perecível, todo sensível é ilusório, todo instante é efêmero.

Olho então ao longe e busco sempre o eterno,
me desapego das circunstâncias, do raso aqui e agora.

Notícias mudam de protagonistas,
mas apresentam sempre os mesmos medíocres assuntos.

Programas buscam atrair a atenção,
mas enaltecem insistentemente o pior dos piores.

Leituras rasteiras, diversões vulgares,
prazeres frívolos e tão previsíveis.

Notoriedade desejada, cobiça por poder,
holofotes que brilham sobre pessoas que nada tem a dizer.

Assim os dias passam, esta existência se esvai, e,
se num susto chega um tardio despertar, junto a angústia, não há como voltar atrás.

Toda essa esquizofrenia me enjoa e, por simples senso de preservação,
vou me alienando dessa casca de realidade, conscientemente.

Não quero e rejeito a morfina que despejam sobre mim,
não preciso de falsos alívios para dores que não sinto.

Presto atenção ao que me desafia,
não ao que dissimuladamente me conforta, me distrai, me entorpece.

A massa me sufoca, levanto a cabeça, desgarro da boiada,
ouso pensar, e muitas vezes sofro, mas não desisto.

Ando no lodo, mas não aceito a sujeira,
procuro enxergar as verdadeiras pérolas, ocultas para os olhos do vulgo.

Tento manter limpa a minha tela mental,
energias puras destilarão as minhas impurezas.

Uma única vida, gota no oceano da existência,
não desvia a minha agulha do meu norte.

Não está aqui a chegada, somente o caminho,
ensaio passos firmes, procuro a direção certa.

O hoje foi projetado ontem,
o amanhã é construído no agora.

Não batalho por posses, pois jamais serão minhas,
o que é de fato meu não pode me abandonar, ou ser por mim abandonado.

Tudo o que é denso deixarei aqui,
o etéreo levarei comigo, para onde quer que vá.

Não anseio bens efêmeros, mas conquistas perenes,
o que adquiri para meu ser e passou a fazer parte de mim, para sempre.

Dedico a esta breve existência os meus cuidados, a minha estima,
mas luto para não me vergar aos seus caprichos infantis.

Investigo a sua essência, tento viver e não simplesmente sobreviver,
quero torná-la reta e útil para poder seguir, em paz.

Descarto máscaras, me rebelo e não me submeto,
Fujo do cativeiro de uma superficial e falsa personalidade.

Busco descobrir a mim mesmo,
se não conheço o meu ser, vivo uma quimera.

Quero me conduzir verdadeiro, humano,
seguir o meu coração e não as vozes da multidão.

Não quero atuar, dissimulando num palco uma felicidade ilusória,
coberto por um verniz feito de palavras vazias e crenças irrefletidas.  

Não aceito ser escravo do meu amor-próprio, ter medo de ser eu mesmo,
quero acertar os meus próprios acertos e errar os meus próprios erros.

Quero viver, não para fazer os outros acreditarem que vivo,
mas para que eu possa acreditar em mim mesmo.


Tela: "Do Alto", de Patricia Cooke

Um comentário:

  1. Cassio,
    gostei muito.

    Não é de surpreender.

    Tão simples e tão profundo.
    Eis que se encontra um Buscador.

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